FIBA: 4 obras para vivenciar o teatro em modo festival

infobae

A vida modo festival é uma mistura de horários cruzados, correr de um lado para o outro da cidade para chegar a tempo nas apresentações, barrinhas de cereal no metrô para não ver shows de barriga vazia (algo nunca recomendado porque durante a peça , a gente só sente fome), se acostumar a ouvir outras línguas durante as apresentações, filas de pessoas nas portas dos teatros e, principalmente, a presença de um público jovem que não é tão comum fora desses contextos.

Qual é a razão desse movimento? A própria noção de festival implica uma programação simultânea, várias salas, transferência de muitas pessoas. Algo semelhante acontece no mundo do cinema, quando as datas do Baficida dança quando acaba cidadee até com a literatura, na hora de organizar o filba. No caso das artes performativas (conjunto de artes que se desenrolam ao vivo e no presente) não é exceção. Esses dias, o FIBA (Festival Internacional de Buenos Aires) apresenta 17 obras internacionais, 26 projetos transnacionais que misturam artistas locais com referências de outras latitudes e 59 mostras nacionais. Durante os dez dias de festival, são mais de 1.500 artistas no palco em mais de 300 eventos entre apresentações e atividades. E também a diversidade de propostas pode deixar seu público entre o fascínio, o espanto e a rejeição. Faz parte da experiência ver obras que surpreendem por suas buscas, abordagens e estética e outras que podem gerar confusão e apatia. Aqui fica um passeio por um pouco do que se passa neste festival que nasceu em 1997 como um espaço expositivo das mais importantes expressões da arte cénica contemporânea.

Talvez lhe interesse: “Mariano Pensotti e o futuro: ‘Como vamos nos narrar daqui a 30 anos?'”

De coraçâo

"De coraçâo"de Tiago Rodrigues, abriu a edição de 2023 da FIBA ​​(Foto: Magda Bizarro)
“By Heart”, de Tiago Rodrigues, abriu a edição de 2023 da FIBA ​​(Foto: Magda Bizarro)

Esta obra foi a abertura do FIBA. É uma peça criada, interpretada e dirigida pelo encenador português Tiago Rodriguescujo reconhecimento mundial o levou a se tornar o diretor de um dos festivais mais renomados deste ano: o Festival de Avignonna França.

Em uma peça que se baseia na potência do evento ao vivo e no trabalho com o público, Tiago Rodrigues Monte uma experiência teatral no palco: peça a dez espectadores que subam ao palco porque eles serão parte fundamental da peça. Deixe claro que eles não se sentirão incomodados, mas que terão que decorar um poema. E assim, nas dez cadeiras localizadas no palco, as pessoas começam a participar, sob a direção desse artista que construiu uma história tão potente e sensível, que administra com maestria a interação com o público e que sabe cativar com seu humor e uma linguagem delicada, que durante duas horas de representação consegue que a atenção seja totalmente tomada.

A historia de De coraçâo parte de uma obsessão do autor: uma entrevista que viu na internet com o filósofo George Steiner em um conhecido programa chamado De beleza e conforto. Lá, steiner Falou do valor da memória e afirmou que uma pessoa é aquilo de que se lembra e que o que se encontra na memória não pode ser destruído. Por exemplo, um poema. Além disso, disse que a melhor forma de aprender um poema é “com o coração”, ou seja, não apelando para dispositivos mnemônicos, mas aprendendo porque você o ama. A partir dessa história, a obra passará por um momento biodramático, pois Rodrigues Ele recordará a vida de sua avó, cozinheira e leitora compulsiva, passará por outros pensadores que investigaram o valor da linguagem, citará livros clássicos, se deterá nos famosos Fahrenheit 451de ray bradbury (uma história de um futuro em que os bombeiros queimam os livros e uma comunidade se organiza para decorá-los) até chegar ao grande desafio do espetáculo e que mantém a tensão o tempo todo: conseguir que os dez espectadores selecionados aprendam o soneto 30 de shakespeare, composto por 14 versos. O mesmo que a vovó memorizou Rodrigues antes que ela ficasse cega e não pudesse mais ler.

A proposta de Rodrigues inclui o público de tal forma que consegue criar um momento de união colectiva, de um lado e do outro, interessado em fazer durar a palavra, sendo captado pelo valor da linguagem e pelo facto de aquilo que temos na nossa mentes, e nós o transmitimos aos outros, ele nunca pode ser tirado e que, como ele diz: “Se existe um substituto para o amor, esse substituto é a memória”.

Pode lhe interessar: “Tiago Rodrigues inaugura a FIBA ​​e define a próxima edição do Festival de Avignon”

Dinamarca

O grupo Magiluth apresenta "Dinamarca"baseado em "aldeias" (Foto: Danilo Galvão)
Grupo Magiluth apresenta “Denmark”, baseado em “Hamlet” (Foto: Danilo Galvão)

Este trabalho é chamado Dinamarca mas veio do Brasil, com o grupo de artistas da grupo magiluth. O show leva a já famosa história de aldeias traduzir alguns diálogos e momentos memoráveis ​​do texto de shakespeare a uma reunião de amigos, que representam uma aristocracia hipócrita e voraz. Com uma estética pop, que cresce em volume de música, efeitos sonoros e caos, os cinco performers dançam, transbordam, jogam bebidas e objetos, até mostrarem um olhar grotesco de quem são e de quem dizem ser. O mais interessante deste trabalho foi o trabalho de interacção que fazem com o público, a quem oferecem uma bebida, convidam para a festa, fazem dançar a valsa, falam com eles e comentam permanentemente na tentativa de os fazer parte de tudo o que acontece no espaço cênico. Esses artistas brasileiros, com mais de 15 anos de atuação em companhias de teatro, propõem um teatro político que, a partir do entretenimento e do conceito de festa, remete a uma classe social no Brasil que apoia políticas de extrema-direita, sem se importar com isso a partir de suas ações e propostas, usufruam de um tipo de vida construído sobre uma grande massa de pessoas marginalizadas dos direitos humanos mais elementares. Entre a loucura e o caos, os artistas começam a mostrar sua afirmação política e a humilhação implícita, da qual ninguém se salva durante a performance.

aldeias

"aldeias"de Boris Niktin, é uma mistura de performance documental e teatro musical queer punk (Foto: Boris Niktin)
“Hamlet” de Boris Niktin é uma mistura de performance documental e teatro musical punk queer (Foto: Boris Niktin)

Outra das propostas internacionais desta FIBA 2023 não escapa ao texto mais importante da literatura dramática ocidental. Claro que com 400 anos de história poucos querem fazer aldeias de forma clássica. Esta proposta veio da Suíça e usa o texto do shakespeare repensar a identidade, o engano e a realidade. O diretor suíço-francês-ucraniano Boris Nikitin funde uma performance electro-pop com uma performance documental experimental, num jogo que desafia o olhar, a imaginação e a vontade. a versão dele de aldeias é uma mistura de performance documental e teatro musical queer punk, em que o performer e a música eletrônica julia meding assume o papel de aldeias contemporâneo que se rebela contra a realidade. Em muitos casos, o que é contado no palco é a própria biografia do autor, o texto tem passagens muito fortes, incluindo uma análise de aldeias da saúde mental, com a qual traça um paralelo com as doenças mentais atuais e até documenta com imagens em uma casa de repouso. O espetáculo é provocativo, mas o excesso de discursividade, o abuso da câmera ao vivo, a narrativa e a falta de ações o tornam monótono, liberando grande parte do público. De todas as formas, Nikitino diretor, é especialista em trabalhar com teatro documentário e em pesquisas sobre os limites da teatralidade, com o que sua experiência se torna válida nesta pesquisa.

outro chinês

"outro [Chinese]"de Alice Canton busca dar conta da cultura chinesa
outro [Chinese]”, de Alice Canton busca dar conta da cultura chinesa

A grande força deste trabalho foi trabalhar com a comunidade chinesa em Buenos Aires e permitir uma ligação transnacional entre a Argentina, a população chinesa local e a Nova Zelândia, país de origem deste espetáculo criado e dirigido pelo artista. Cantão de Alice. O projeto que estreou em 2017 trabalha com performers que não são atores mas que têm em comum a sua identidade chinesa, questionando-se sobre o que significa fazer parte da comunidade com maior migração do mundo, o que têm em comum e quais as diferenças . Como uma aula de teatro, a peça propõe exercícios para se conhecer, discutir e levantar debates. O problema foi que nos nove dias que a artista teve para montar a peça em Buenos Aires, ela gerou um trabalho em progresso muito amador a partir do qual foi impossível gerar uma dramaturgia e direção que pudesse mostrar a potência dessa proposta e que na prática ela não conseguiu se tornar visível.

Tem mais FIBA ​​até domingo dia 5 de março, é tempo de maratonar e encontrar experiências que pedem corpo e presença, debater, curtir, confrontar, mas sem dúvida, redescobrir a vitalidade única que a arte ao vivo tem e com o grande valor que os ingressos são gratuitos. É importante lembrar que a reserva prévia é online e deve ser feita na página buenosaires.gob.ar/fiba dois dias antes de cada espetáculo, a partir das 14h00.

Continuar lendo

Essa será a programação da FIBA ​​2023
FIBA começa e Buenos Aires se torna um grande palco de teatro
Teatro Bombón Gesell traz sua novidade para a FIBA