Meio século de “The Dark Side Of The Moon”, o Mágico de Oz no Vale da Lua

Dark Side of the Moon marcou a estreia de Roger Waters como compositor
Dark Side of the Moon marcou a estreia de Roger Waters como compositor

É o disco dos mitos. O disco do Vale da Lua e as pirâmides do Egito. O disco que toca em sincronia com o filme Judy Garland e o mágico de Oz. É o registro do saber enciclopédico, de nomes como Gerry O’Driscoll, Alan Parsons, Clara Torry, Roger Manifold, Paul MCCARTNEY, peter watts. É o disco que se chama disco; nem cassete nem cd: disco. “Você tem o disco do lado escuro da lua?”. É o disco que se ouve na íntegra, de ponta a ponta, de batida em batida. Sístole, diástole, sístole, diástole, respiração. Quem bebe põe-se a beber e serve-se, quem fuma acende um cigarro, quem não fecha os olhos. É o disco de luz facetado em seis cores, a de a capa que está em milhares de camisetas. É o disco de moedas infinitas. É uma viagem, uma fuga, um aviso, um despertador, um eclipse. É o registro de tudo o que se mendiga, o que se pede emprestado e o que se rouba. É o registro de risadas loucas, o registro que quando você o ouve —se você ouvir este sussurro– Você está morrendo

Ele 1º de março de 1973 —Passou meio século— saiu em Estados Unidos o oitavo disco de Pink Floyd e o rock começou a dar os últimos passos rumo ao seu fechamento definitivo. Durou um pouco mais, talvez até 1997, até cabeça de rádio casaco ok computadorPode ter chegado à primeira década do novo século, mas, em retrospecto, os anos 70 foram os anos de experimentação, avanço, descoberta, brilhantismo histérico, a promessa da eterna juventude.

Não quero glorificar a nostalgia. Mesmo que eu não goste ou entenda o que meus filhos estão ouvindo, com esses cantores que parecem errar sistematicamente as vogais, não acho que minha música seja melhor que a deles. De qualquer forma, minha música falou comigo e ainda continua falando comigo. E eles terão que ver como processam o salto geracional quando se tornam pais. Mas: O lado escuro da Luaque chatice respiração, Tempo, O melhor show no céu, Dinheiro, Nós e eles. Não me parece uma imprecisão ou hipérbole descrevê-lo como perfeito.

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Pink Floyd por volta de 1973: da esquerda, Rick Wright, Dave Gilmour, Nick Mason e Roger Waters (Foto: Michael Ochs Archives/Getty Images)
Pink Floyd por volta de 1973: da esquerda, Rick Wright, Dave Gilmour, Nick Mason e Roger Waters (Foto: Michael Ochs Archives/Getty Images)

Uma vez que eles perguntaram James Joyce o que havia sido para ele o acontecimento mais relevante do século XX. Era a década de 1920, as grandes migrações europeias já haviam passado, a primeira guerra e a revolução russa já haviam acontecido. E disse: “A publicação do Ulisses, claro”. O que era mais crucial para a humanidade: chegar à lua ou ver seu lado negro?

Existe um livro fantástico sobre o Pink Floyd chamado floyd red. Foi escrito por um poeta e filólogo italiano, Michele Marie saiu exatamente dez anos atrás por A Besta Equilátera. O marcante da novela é que ela conta a história da banda sem tentar esclarecer os mistérios que ela contém. Acredito que esta seja a melhor forma de estar no mundo: com a certeza de que é melhor que haja algo que escape. Nesse livro há algo curioso: um testemunho fictício mas credível de David Gilmour. Ele diz que o melhor álbum do grupo é Queria que você estivesse aquiembora imagine que Roger Waters vai escolher A parede. São duas montanhas muito altas, mas não tenho dúvidas que a melhor e mais emblemática é O lado escuro da Lua. Para começar, é a única que nomeamos em espanhol —a mesma coisa que se faz em outros países, em outras línguas— e nomear algo é uma forma de apropriar-se disso. O álbum é tão bom que até a versão reggae O lado dub da lua é estupidamente bom.

O lado escuro da Lua vendeu cinquenta milhões de cópias, passou mais de dez anos entre os cem discos mais vendidos, faz parte da história. Em 1993, Pink Floyd sem Waters deu um concerto pelos vinte anos do álbum, que se chamou Imprensa. O cd era uma caixa dupla com um led vermelho piscando. Eu amei esse disco e amo aquele led. Eu adorava olhar para ele no silêncio da noite. Durante anos troquei as baterias; eu tinha dois. O triângulo original na tampa aqui se transformou em um círculo que era como um olho roxo prestes a ter um eclipse. Floyd sempre teve a melhor arte de capa.

David Gilmour e Roger Waters, o motor criativo do Pink Floyd (Foto: Crollalanza/Shutterstock)
David Gilmour e Roger Waters, o motor criativo do Pink Floyd (Foto: Crollalanza/Shutterstock)

O paradoxo daquele concerto e dos que deu Águas sem Pink Floyd em 2007, quando ele veio pela primeira vez para o Argentina é que eles fizeram um esforço para respeitar o álbum quase literalmente. Sem novos solos, sem experimentação, sem improvisações. Aos poucos o disco se tornou um monumento, e os shows viraram rituais. Não sei se é ruim, mas dada a escolha, acho que não é bom.

Entretanto, O lado escuro da Lua prevalece sobre seus criadores. Quando as músicas tocam em uma FM que faz da nostalgia um culto, elas parecem deslocadas. Eles estão vivos demais. São as canções que nos deram asas e força para as sacudir.

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